sexta-feira, março 20, 2020

Para além de Paris.

Não mintas! Claro que adorarias que não tivesse sido tudo uma ilusão. Que fosse esperança para além da surpresa. Que pudesse ter havido perenidade na vontade de sorrir e a transmutação da pueril fantasia em realidade.
Não mintas! Percebeste desde o primeiro momento do desastre do teu delírio. Escolheste, imprudentemente, voar até ao Sol com asas de Ícaro. O que esperavas? Lá porque acreditaste que lhe podias segurar a mão, será que te julgaste com direito ao Olimpo?
Não mintas! A culpa é tua. Quem te mandou tentar roubar os deuses como o fez o filho de Jápeto? Foi a luxuria que te condenou ao fracasso.

quarta-feira, março 11, 2020

«Pára! Para onde foges? Iremos os dois juntos!»

É mentira, não há princesas encantadas! Não tens alternativa. Escolhe! Ou aceitas viver um embuste, ou te atreves a escutar o misantrópico silêncio.
É claro, seja qual for a tua opção, não tens de prescindir dos sonhos! Mas é mesmo isso que desejas? Quando Morfeu te sufla, o que tens sem ser ilusão? Lembra-te, poderás buscar o corpo, mas apenas abraçarás o ar!

terça-feira, janeiro 28, 2020

Lunga vita

Sei que é uma inutilidade, mas penso muitas vezes no que não fomos ou no que poderíamos ter sido. Não com satisfação, mas reconheço a esterilidade do exercício. É que estou certo de que, desta forma, não só não alcanço a catarse emancipadora, como, provavelmente, me sujeito, nesciamente, a uma penitência que deveria tentar evitar.
Nesses momentos, se tivesse o arrojo de me olhar ao espelho, sei que veria apenas o fracasso. No entanto, infelizmente, não preciso dele para o sentir.

domingo, janeiro 26, 2020

Heméra

É claro que te observo sempre que tenho ocasião. Infelizmente, são poucas as vezes em que te materializas na minha presença. No entanto, nesses momentos, tudo o resto se volatiliza à minha volta e, como que por feitiço, transformas-te no todo.
No resto do tempo não posso mais do que imaginar-te. Sei, porém, que, provavelmente, toda a candura e fogosidade com que te matizo na minha mente não será mais do que a projecção do meu desejo.
É que sabes? Fascinas-me absolutamente. Porquê? Não tenho bem a certeza. Talvez devido a uma certa fragilidade violenta com que, por vezes - e eu sei que o fazes - me olhas. Talvez porque a tua beleza cintilante, praticamente perfeita, me deixa aprisionado. Talvez porque sorris com o teu olhar enquanto as estrelas te iluminam.

terça-feira, novembro 19, 2019

Acidália

Vi-te demasiado perto para me poder esconder ou fugir. Tê-lo-ia feito se pudesse! Seria um cobarde. Não pensaria duas vezes se tivesse tido a oportunidade.
Foi de soslaio. Uma fracção de segundo. No entanto, bastaria uma fracção de fracção para te reconhecer. Num firmamento de estrelas imensamente brilhantes cintilaste sempre de forma distinta. É que a tua flamância ribomba de forma perene e distinta no Universo e deixa nele um traço perfeitamente único. Tu sabes que sim. Distinguir-te-ia imediatamente no meio de qualquer multidão.
Caramba, como continuas linda! Se tivesse olhado mais do que um milissegundo teria sucumbido e ter-me-iam faltado as forças para me manter de pé. Quase petrifiquei e o meu coração, imediatamente antes de começar a bater de forma desenfreada e descompassada, quase parou. Foi exactamente antes do arrepio que me correu o corpo e das borboletas que senti na barriga. Praticamente ao mesmo tempo que senti os meus olhos marearem-se de lágrimas. Caramba, como sempre foste linda!
Passámos tão perto um do outro que consegui sentir o teu magnetismo. Aquela atracção catastrófica que apenas as leis da física conseguem explicar. Só que desta vez tinhas a força hercúlea de um buraco negro. Passámos tão perto que te senti a sugar-me a alma. Mas sejamos francos, também já não havia mais nada para te banqueteares para a além da imaterialidade do que fui.
Estou agora certo de que o que mais desejaria era ter continuado a olhar-te. Gostaria de ter podido absorver todas as gotas ásperas do imenso amor que resultou da colisão de dois corpos celestes sentenciados a encontrar-se quando, no infinito, as suas órbitas se cruzam. Tivemos sorte. O tempo cósmico nem sempre coincide com o tempo humano. Podíamos, na nossa vida, ter vagueado pelo nosso sistema sem nunca nos termos aproximado o suficiente. E, se assim assim fosse, nunca teria cheirado o doce sabor do teu perfume e nunca teria estado tão próximo da tua beleza inebriante.

segunda-feira, novembro 11, 2019

Index Librorum Prohibitorum

E se por um acaso incompreensível a minha alma fosse um livro e tu, acidentalmente, me encontrasses na rede labiríntica e aparentemente infinita de uma biblioteca? Talvez, apenas por mera curiosidade, ou quem sabe, impelida por uma inquietação inexplicável, talvez... bom, talvez me pegasses! Depois, querendo, poderias folhear-me brandamente. Desejando, porventura, poderias pousar os teus preclaros e doces olhos castanhos nas páginas aparentemente proibidas e, corajosamente, ler os segredos cuidadosamente acautelados.
Ah! Quem me dera, quando ao longe passo por ti, poder cheirar o aroma aveludado que a tua pele exala. Quem me dera poder fitar-te sem receio, poder sorrir-te como se fôssemos cúmplices e poder tocar-te como se tivéssemos a vida toda pela frente. Mas, infelizmente, acho que não fazes ideia de como cintilas no meio da escuridão.

segunda-feira, março 04, 2019

Für Elise?


- Desististe de mim?
- De ti? Desisti de mim próprio.
- Não me respondeste! Diz-me! De mim, desististe?
- Tu? Tu não representas nada. És apenas o futuro que nunca aconteceu! Não és mais do que a recordação de uma tarde de Primavera aparentemente perfeita.
- Porque desististe?
- Porque perdi a esperança.
- Não desististe de mim, pois não?
- Já te disse que sim.
- Mentes! Eu não fui uma tarde de Primavera, fui o Verão inteiro! Fui uma detonação cósmica de sorrisos e beijos. Além do mais, nunca se perde a esperança!